Livro faz passeio gráfico pelas campanhas eleitorais de ontem e hoje
Na gaveta do escritor, designer e ilustrador Gustavo Piqueira vivia uma pasta. Dentro, recortes que juntou em São Paulo nos anos 1980, ainda criança –adesivos, santinhos, broches e panfletos das eleições de 1982 e 1985.
Em agosto deste ano, quando os contornos da eleição presidencial começavam a se delinear, Piqueira redescobriu a coleção com novos olhos. Nascia mais um de seus livros-projeto, "Brasil Zero Zero", pesquisa gráfica de dois contextos eleitorais separados por 35 anos, recém saída do forno pela Lote 42.
"Eu achei a eleição muito verborrágica. Fiz um livro que é visual", conta o designer em seu escritório. "O tempo passa, mas vi que muitos agentes ainda eram os mesmos. Fernando Henrique, Lula, o Suplicy, o Maluf. Antes tinha o Jânio, é verdade, mas o discurso do Jânio parecia muitas vezes o discurso do Jair Bolsonaro."
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O conjunto recupera a linguagem visual e tipográfica dos anos 1980, em que imperam calendários, histórias em quadrinhos, iconografia religiosa e referências à loto, um jogo do bicho com ilustrações divertidas. Há, inclusive, peças produzidas por Henfil.
A elas se somam imagens de tela recolhidas no segundo turno da última eleição.
Uma sequência de páginas, por exemplo, agrupa imagens dos eventos de Facebook mais variados criados contra Bolsonaro ("capivaras contra Bolsonaro", "corintianos contra o Coiso", "gatos pretos contra Bolsonaro"); outra, reproduções de tela de jogos de videogame e de grupos de Whatsapp criados pelos apoiadores do candidato vencedor, com uma abundância de memes.
"As campanhas dos anos 1980 tinham uma espontaneidade, algo meio caseiro. Agora essa espontaneidade está nas redes sociais", diagnostica Piqueira, que até juntou recortes oficiais de 2018, mas acabou não usando. "No fim, a campanha formal teve menor relevância, vide o tempo de TV, que acabou tendo pouco impacto no resultado."
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Separados, passado e presente se misturaram numa intervenção urbana. Pouco antes da eleição, o designer reimprimiu fac-similes de oito peças gráficas antigas (há, por exemplo, um cartaz com Fernando Henrique Cardoso candidato a prefeito) e colou nos arredores de diferentes estações do metrô paulistano: Luz, Barra Funda, Pinheiros, Higienópolis, Clínicas, entre outros pontos.
O registro dos cartazes "old school" colados na cidade atual - com indiferença quase geral dos passantes - gerou um ensaio fotográfico que termina de compor a publicação.
Com um título que homenageia Wlademir Dias-Pino (autor do livro-poema-colagem "Brasil Meia-Meia", morto em agosto passado) e Roberto Rosselini (diretor do filme "Alemanha Ano Zero", que retrata a Berlim devastada pela miséria e a destruição no pós-Segunda Guerra), a crônica visual de Piqueira se vale da ironia e do humor para criar um diagnóstico silencioso.
"Uma coisa que eu achei curiosa é que quase todo o conteúdo que peguei dos dois lados foi feito para ser bem-humorado, engraçado. Mas quando você junta, eu acho muito pesado, dá uma sensação de 'estamos rindo do que mesmo?'."
A inquietação está expressa, por exemplo, numa fotografia feita na Cidade Estrutural, zona pobre de Brasília, retratando uma bandeira pintada para a última Copa do Mundo em que todo o círculo foi deixado em branco (acabou a tinta, o dinheiro?). Dessa imagem, Piqueira imprimiu 2.000 cartazes, parte deles para ser encartada no livro, o restante para ser distribuído e colado pela cidade de São Paulo.
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"O que acontecerá com eles, os cartazes, o que acontecerá conosco, a esta altura só posso supor." Se recordar é viver, o resultado recém-lançado é uma recordação verbal e visual abundante, memória de nossa descontração passada e presente, com todas as suas dores e delícias.
BRASIL ZERO ZEROPREÇO R$ 55 (120 págs.)AUTOR Gustavo PiqueiraEDITORA Lote 42
Com informações da Folhapress.
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