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Ribeirinhos e produtores ainda lutam por água potável em Brumadinho

Quem vive nas margens do Rio Paraopeba ainda enfrenta dificuldades para tocar a vida devido aos efeitos do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, tragédia que completou 20 meses nesta semana. O fornecimento de água depende de caminhões pipa em 16 comunidades situadas em Brumadinho (MG) e em cidades vizinhas. Isso porque a captação direta no trecho do rio mais poluído pelos rejeitos de mineração continua proibida pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), órgão vinculado ao governo de Minas Gerais.

 

Ao mesmo tempo em que ribeirinhos e produtores rurais tentam retomar suas produções, agricultores de áreas que não foram afetadas pela lama e que utilizam água de outros mananciais ainda enfrentam o receio em relação a contaminação de seus produtos. A área atingida não representa sequer 0,01% do território de Brumadinho. Em meio a uma variedade de situações e diversas reivindicações, a Vale responde anunciando programas de reparação e de compensação dos danos: o mais recente promete fomentar toda a cadeia produção e comercialização da agricultura familiar.

"Meu pai não está fazendo mais irrigação. Está contando com água da chuva e não planta nem 10% do que plantava", lamenta a auxiliar administrativa e estudante Nayane França, filha do agricultor Eustáquio Gomes Pereira.

Após o rompimento da barragem ocorrido na mina Córrego do Feijão em 25 de janeiro do ano passado, uma onda de 11,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos destruiu comunidades e retirou a vida de 270 pessoas. Boa parte desse volume alcançou a calha do Rio Paraopeba, que margeia a propriedade de Eustáquio.

O terreno não chegou a ser invadido pela lama, mas o agricultor perdeu mudas que havia encomendado e pago, porque a estufa do fornecedor foi destruída. Sem poder captar água do rio, também não conseguiu manter o vigor da produção de mexerica, jiló e pimentão, entre outras culturas agrícolas.

Mesmo nas comunidades onde vem ocorrendo fornecimento por meio de caminhões pipa, a irregularidade incomoda. Há queixas relacionadas à perda de autonomia, uma vez que o trabalho se dá em função da periodicidade de abastecimento. Na comunidade da Reta do Jacaré, em Mário Campos, produtores chegaram a protestar alegando uma recente redução no volume do fornecimento, o que estaria ameaçando a plantação. Como alternativa, alguns atingidos tentaram furar poços artesianos. A captação subterrânea é autorizada pelos órgãos ambientais para quem está a mais de 100 metros da margem do rio. Mas nem sempre essas tentativas são bem sucedidas.

O fornecimento de água tem sido feito pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), empresa estatal responsável pelo abastecimento da maioria das cidades mineiras. Segundo a estatal, entre janeiro de 2019 e julho de 2020, foram distribuídos mais de 800 milhões de litros de água potável às 16 comunidades. Este volume, captado em três estações de tratamento situadas nos municípios de Juatuba, Pompéu e Curvelo, é transportado diariamente por meio de 50 caminhões pipas.

Entre as medidas que a Vale vem adotando para melhorar a qualidade da água, está a instalação de duas novas estações de tratamento de água. De acordo com a mineradora, as obras já foram concluídas e permitiram, até o julho de 2020, a devolução ao Rio Paraopeba de 15 bilhões de litros de água limpa. Também está sendo concluída a instalação de 250 filtros de alta performance para tratar a água de poços subterrâneos que atendem a 10 mil pessoas que vivem nas comunidades ribeirinhas. Exclusivamente para 70 produtores rurais que tiveram impacto na sua produção, a Vale se comprometeu a construir 120 poços exclusivos até o fim do ano. 

O mais novo programa se volta para a agricultura familiar nos municípios de Brumadinho e Mário Campos. Espera-se que sejam atendidas, em uma primeira fase, 50% das 583 propriedades dos dois municípios que foram mapeadas no último senso agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A adesão, no entanto, é voluntária. A Vale acredita na receptividade, pois afirma que a proposta leva em conta diálogos com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mário Campos, a Associação dos Produtores Rurais de Brumadinho (Asprub) e o Assentamento das Pastorinhas. Também foram ouvidas as secretarias de agricultura dos dois municípios e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG), estatal do governo mineiro.

"É um programa que ainda está bem no início. Temos participado das reuniões. Está tendo espaço de conversa para colocarmos as necessidades reais", pondera Elisa Milanez, produtora do Assentamento das Pastorinhas, que reúne 20 famílias de Brumadinho que plantam verduras e legumes.

Poderão ser beneficiadas tanto propriedades que estão na área diretamente afetada, como aquelas que estão distantes da mina Córrego do Feijão. Um dos destaques de Brumadinho hoje é a produção de mexerica. Já Mário Campos, tem uma produção considerável de verduras.

Os participantes contarão, ao longo de três anos, com uma consultoria direta de agrônomos, veterinários, engenheiros e outros profissionais. E receberão auxílio para melhoria do processo de produção e cumprimento de regras, por exemplo, em relação ao controle dos níveis permitidos de agrotóxicos.

"A redução do uso de defensivos agrícolas será inclusive uma meta, o que pode agregar valor aos produtos", diz Luiz Augusto Bronzatto, analista da gerência de fomento econômico da Vale.

O programa também se preocupará com a cadeia de comercialização, através da criação de marcas, rótulos, códigos de barra e embalagens para melhor acondicionamento. Prevê ainda estímulo para a organização de cooperativas, disponibilização de material de divulgação e apoio para participação em eventos gastronômicos.

Todos os objetivos do programa estarão interligados na aplicação da rastreabilidade da produção agrícola das propriedades, que é uma exigência legal da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2018. Ela possibilita, através de um QR Code, identificar a origem do alimento e acompanhar a sua movimentação.

A mineradora acredita que a mudança beneficia os agricultores, pois trará mais confiança em relação ao produto.

"Não adianta a Vale fazer milhões de análises do solo e publicar que as pessoas não vão acreditar. Existe uma questão de credibilidade dos dados gerados sobre contaminação que dificulta a desmistificação em torno da contaminação. A rastreabilidade traz mais segurança porque permite checar a qualidade daquele produto especificamente", avalia Flávia Soares, gerente de fomento econômico da Vale.

As prefeituras das cidades atingidas têm reivindicado, nas negociações em torno das indenizações, apoio da mineradora e do estado para diminuir a dependência da mineração.

A qualidade da água do Rio Paraopeba vem sendo monitorada pelo Instituo de Minério e Gestão das Águas (Igam). Desde a tragédia, boletins do órgão ambiental revelaram que níveis de chumbo e mercúrio, por exemplo, se elevaram embora não fizessem parte da composição do rejeito.

"O mercúrio total, que não tinha sido detectado historicamente na bacia do Rio Paraopeba, passou a ser identificado em valores também acima do permitido pela legislação logo após o rompimento da barragem. A presença desses contaminantes está associada ao arraste de materiais que se misturaram à lama durante a passagem da frente de rejeito", apontou relatório do Igam.

Para intensificar ações vinculadas à constatação, reparação ou compensação dos danos, o Igam e outros órgãos ambientais do governo mineiro costuraram um acordo com a Vale para contratação temporária de 40 profissionais. Paralelamente, a mineradora dá andamento ao programa Marco Zero anunciado no início do ano, que prevê a reconstituição das condições originais do Ribeirão Ferro-Carvão e a revegetação com plantas nativas da região das matas ciliares, além da recuperação do Rio Paraopeba.

Fonte: Noticias ao Minuto

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