Em novo pronunciamento, Bolsonaro volta a igualar empregos e vidas
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a distorcer declaração do diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom Ghebreyesus, para embasar seu discurso de equiparação do salvamento de empregos ao de vidas diante da pandemia do coronavírus.
"Temos uma missão: salvar vidas sem deixar para trás os empregos. [...] Por outro, temos que combater o desemprego. Vamos cumprir esta missão ao mesmo tempo que cuidamos da saúde das pessoas", disse Bolsonaro em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV na noite desta terça-feira (31).
No entanto, Bolsonaro tirou de contexto a fala de Tedros Adhanom Ghebreyesu. A frase completa de Tedros é: "Cada indivíduo é importante, cada indivíduo é afetado pelas nossas ações. Qualquer país pode ter trabalhadores que precisam trabalhar para ter o pão de cada dia. Isso precisa ser levado em conta".
Bolsonaro afirmou que "temos que evitar ao máximo qualquer perda de vidas humanas", mas disse que "ao mesmo tempo, devemos evitar a destruição de empregos, que já vem trazendo muito sofrimento para os trabalhadores brasileiros".
No pronunciamento, Bolsonaro mudou o tom que vinha adotando em relação ao coronavírus, pandemia à qual já se referiu como "uma gripezinha". Nesta terça, disse que "estamos diante do maior desafio da nossa geração".
O presidente, que já defendeu o uso da hidroxicloroquina para o combate à Covid-19, inclusive aparecendo com caixas do medicamento na mão, admitiu que "ainda não existe vacina contra ele ou remédio com eficiência comprovada".
Bolsonaro elencou medidas anunciadas pelo governo tanto na saúde como na economia. "Temos uma missão: salvar vidas sem deixar para trás os empregos. Por um lado, temos que ter cautela e precaução com todos, principalmente junto aos mais idosos e portadores de doenças pré-existentes. Por outro, temos que combater o desemprego, que cresce rapidamente, em especial entre os mais pobres. Vamos cumprir esta missão. Ao mesmo tempo em que cuidamos da saúde das pessoas", disse.
Esta é a quarta vez que o presidente chama o sistema de rádio e TV para falar do novo coronavírus.
Na última ocasião, na terça-feira (24) da semana passada, ele foi incisivo nas críticas ao distanciamento social e ao isolamento da população, recomendados por autoridades sanitárias, entre elas o próprio Ministério da Saúde e a OMS (Organização Mundial de Saúde).
O discurso aprofundou a crise no país, causou perplexidade em associações médicas, estimulou panelaços contra o presidente e ampliou o seu isolamento político.
No sábado (28), em reunião no Palácio da Alvorada, ministros fizeram um apelo para que Bolsonaro alinhasse suas falas às orientações técnicas do Ministério da Saúde, que aposta no recolhimento como estratégia para frear o avanço da Covid-19 e, com isso, evitar um colapso do sistema de atendimento.
No dia seguinte, contudo, ele fez giro pelo comércio de Brasília, provocando aglomerações, e defendeu que parte das pessoas saia às ruas para trabalhar, como fazia antes. Disse ainda que cogita editar norma liberando atividades país afora.
"Eu estou com vontade, não sei se eu vou fazer, de baixar um decreto amanhã: toda e qualquer profissão legalmente existente ou aquela que é voltada para a informalidade, se for necessária para levar o sustento para os seus filhos, para levar leite para seus filhos, para levar arroz e feijão para casa, vai poder trabalhar", afirmou.
Twitter, Facebook e Instagram apagaram das contas do presidente posts do passeio dominical por entender que eles estimulavam a desinformação e poderiam causar danos à coletividade. Foi a primeira vez que isso ocorreu com um mandatário brasileiro.
Apesar das falas do presidente, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, manteve o tom conciliador e reiterou as orientações de sua pasta. As evidentes divergências com o discurso do mandatário geram incertezas sobre sua permanência no cargo.
Conforme mostrou o jornal Folha de S.Paulo nesta terça-feira, no entanto, o discurso do presidente estimulou um movimento dentro do próprio governo em apoio a Mandetta.
Os ministros Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia) uniram-se nos bastidores ao chefe da Saúde, em defesa de sua estratégia de combate ao vírus, assim como fizeram representantes da ala militar.
Em entrevista publicada pela Folha de S.Paulo no domingo, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, interlocutor desse segmento, disse que a crise do coronavírus é séria e indicou falhas na coordenação de combate à doença.
As posições de Bolsonaro também o distanciaram das cúpulas do Legislativo e do Judiciário. Nesta segunda-feira (30), o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, ressaltou a necessidade de isolamento social.
No pronunciamento da semana passada, o presidente criticou o fechamento de escolas e do comércio para combater a epidemia, atacou governadores e culpou a imprensa pelo que considera clima de histeria instalado no país.
Na ocasião, ele defendeu o isolamento vertical, ou seja, apenas de quem integra os grupos de risco, como idosos e portadores de comorbidades, para enfrentar a pandemia.
Segundo especialistas, essa estratégia é ineficiente, pois não há como evitar o contato dos mais vulneráveis com outras pessoas que, saindo às ruas, se expõem ao contágio e passam a ser vetores da doença.
"O que se passa no mundo mostra que o grupo de risco é de pessoas acima de 60 anos. Então, por que fechar escolas?", questionou Bolsonaro. "Raros são os casos fatais, de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade."
As declarações se deram após o presidente receber pressões do empresariado, especialmente o do varejo, que o avisou de demissões em massa no setor.
Bolsonaro disse que desde o início da crise o governo se preocupou em conter o pânico e minimizou a gravidade da Covid-19 ao compará-la a uma "gripezinha" ou um "resfriadinho".
Congressistas, governadores e entidades de saúde reagiram com indignação às declarações. No pronunciamento, Bolsonaro alegou que "grande parte dos meios de comunicação foram na contramão" do governo e "espalharam a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o grande número de vítimas na Itália".
Argumentou que o país europeu tem características distintas das do Brasil, e que o cenário foi "potencializado pela mídia para que histeria se espalhasse". O presidente disse também que "nossa vida tem que continuar" e os empregos precisam "ser mantidos". "O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade", afirmou.
De forma quase simultânea, a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência) lançou nas redes sociais campanha com o mote "O Brasil não pode parar", dias depois proibida pela Justiça ante a possibilidade de prejudicar o esforço de saúde pública.
O presidente também atacou governadores e disse que eles precisam "abandonar o conceito de terra arrasada", com a proibição de transporte, o fechamento de comércio e o que chamou de confinamento em massa.
Apesar de ter pregado a volta à normalidade, contrariando orientações de especialistas, Bolsonaro disse que é preciso se preocupar com a contaminação do vírus.
Ele concluiu dizendo que, se ele fosse infectado, por seu histórico de "atleta", não deveria temer a doença.O presidente tem feito recorrentes manifestações contra medidas recomendadas por autoridades sanitárias, mas, nas duas primeiras aparições em cadeia de rádio e TV para falar do coronavírus, seu discurso havia sido mais comedido.
Em 6 de março, disse que o país havia reforçado seus sistemas de vigilância sanitária em portos e aeroportos, como preparação para o avanço do Covid-19.
Em 12 de março, sugeriu que seus apoiadores não comparecessem a atos de rua planejados para o domingo seguinte, 15 de março. A justificativa era que aglomerações poderiam facilitar a transmissão da doença.
O presidente, no entanto, descumpriu sua própria orientação e, no dia programado para as manifestações, se juntou a simpatizantes em frente à rampa do Palácio do Planalto. Na ocasião, ele tocou as pessoas, as cumprimentou e posou para selfies.
Fonte: Noticias ao Minuto
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