Empresas reduzem ritmo de produção para escapar de custos
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A demora na entrega e a alta de preços de materiais estão obrigando empresas de diversos setores a colocar o pé no freio e conter o ritmo de produção. Em alguns casos, a estratégia visa aguardar um reequilíbrio da cadeia produtiva. Em outros, há a necessidade de reduzir prejuízos.
A situação se arrasta desde 2020, quando a cadeia de suprimentos reduziu drasticamente a produção temendo queda na demanda. A desmobilização da indústria –fornos siderúrgicos chegaram a ser desligados– nos primeiros meses de pandemia acabou desequilibrando as cadeias produtivos em diversas áreas.
Além disso, o câmbio valorizado favoreceu as exportações, reduzindo a disponibilidade no mercado interno.
A indústria esperava normalização em 2021, mas essa expectativa vem sendo frustrada, dizem empresários.
Na construção civil, cronogramas de obras estão sendo revistos até semanalmente devido à dificuldade de insumos. O incorporador Bruno Sindona conta que, em dois empreendimentos já em andamento, foi necessário mudar as fases da execução para compensar atrasos na entrega.
Os principais problemas do empresário são os prazos e a disponibilidade de aço –e essa dificuldade, diz ele, pode ser medida pelas planilhas de orçamentos. "Nosso mapa de cotação está cheio de buracos."
A entrega de cimento, diz ele, começa a se reequilibrar. Há alguns dias, ele conseguiu comprar barras de ferro que precisava e, por isso, as obras estão andando. As contratações de operários, porém, precisaram ser reduzidas.
"Tenho um obra que, neste momento, era para estar com 120 funcionários, mas estou com 74, porque não vou ter material para esse pessoal trabalhar", afirma.
Com o ritmo menor de trabalho agora, o empresário prevê que custos maiores deverão aparecer em alguns meses, mesmo quando a situação do abastecimento se normalizar.
"Vou ter que acelerar para compensar. Em vez de contratar 120 funcionários, vou precisar de 150."
A pressão da alta de preços é maior sobre empreendimentos do programa habitacional Casa Verde e Amarela, o antigo Minha Casa Minha Vida.
Concreto e ferro, diz Odair Senra, presidente do Sinduscon-SP (Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo), são grande parte do custo dessas obras, nas quais os incorporadores ganham mais com a escala, ou seja, o número de unidades vendidas.
Por lei, os contratos fechados pelos compradores são reajustados pelo INCC (Índice Nacional de Custos da Construção), em uma tentativa de compensar custos maiores.
Não é o que vem acontecendo, porém. Em 12 meses até janeiro, o índice calculado pela FGV (Fundação Getulio Vargas) está em 9,39%.
Para Senra, os efeitos das altas no mercado chegam com defasagem ao índice. "Já temos notícia de alta de 34% no aço em janeiro, e outro de 30% em março. Vai desequilibrar todas as obras. Os custos vão se exceder em 10%, 15%."
Na habitação popular, qualquer repasse de custos, mesmo que previsto em contrato, aumenta o risco de inadimplência, diz Walter Melillo Jr, diretor da CNL Empreendimentos. "Em um imóvel de R$ 200 mil, se repassar R$ 2.000 para o comprador, você vai ter problema", afirma.
Melillo tem hoje um projeto em fase de aprovação. "Se estivesse pronto para lançar, eu certamente seguraria."
No último trimestre de 2020, o volume de lançamentos e de vendas de empreendimentos do segmento popular representou menos da metade do total pela primeira vez em três anos.
Segundo a Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), o recuo é efeito do custo maior de construção maior e põe o Casa Verde e Amarela em risco.
A câmara da indústria vem tendo reuniões no Ministério do Desenvolvimento Regional para, segundo o presidente da Cbic, José Carlos Martins, sensibilizar o governo na busca por uma solução, que pode vir das cotas de importação (no caso do aço) e da flexibilização do teto do Casa Verde e Amarela, hoje em R$ 270 mil.
Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo da Aço Brasil, diz que a entidade não comenta valores, mas defende que o setor siderúrgico está pressionado pelo aquecimento nas negociações de commodities, que encareceu as matérias-primas do setor, como sucata, gusa e minério de ferro.
"É importante deixar claro que não há um movimento especulativo no mercado. As matérias-primas estratégicas estão mais caras", diz. Segundo ele, o nível de fornecimento de aço ultrapassou, em junho, o que era vendido antes da pandemia.
Eventuais atrasos podem vir de distribuidoras, às quais recorrem empresas menores, sem escala para a compra direta nas usinas.
O setor cimenteiro também não fala de preços ou da relação entre fabricantes e clientes. Em nota, o Snic (Sindicato Nacional da Indústria do Cimento) afirma estar sofrendo com alta nos custos de insumos, como coque de petróleo.
Em 2020, o setor vendeu 60,8 milhões de toneladas de cimento vendidas, alta de 10,9% sobre 2019.
Para quem depende de caixas de papelão para distribuir mercadoria, começar o ano com o estoque em dia exigiu um esforço de negociação, conta o produtor rural Carlos Sussumu Suyama, da Faop (Fruticultores Associados do Oeste Paulista). "Estávamos nos programando desde novembro, porque sabíamos que ia ter problema", diz.
Ainda assim, o fornecedor chegou a ameaçar que só entregaria em fevereiro o que deveria chegar aos produtores em janeiro. "Não perdemos mercadoria, mas foi uma batalha danada, muitos telefonemas, muita pressão."
Dos R$ 2,40 pagos antes da pandemia, o último lote de 60 mil caixas custou à Faop R$ 3,60 por unidade. Produtores da região, segundo a federação, chegaram a decidir por atrasar a colheita de algumas culturas por considerar que o preço não compensaria o custo das caixas.
A alternativa tem sido a venda local, sem envio a entrepostos.
A Empapel (Associação Brasileira de Embalagens em Papel) diz ter registrado, até janeiro, sete meses seguidos de crescimento em vendas e em produção. O balanço de janeiro a dezembro de 2020 aponta um crescimento de 5,9%.
Na Mazurky, fábrica de caixas de papelão de São Bernardo do Campo (ABC Paulista), a solução encontrada foi a importação de insumo de Israel, Egito e Estados Unidos. O custo é 20% maior, mas a empresa diz que essa foi a solução para cumprir prazos e manter o maquinário em operação.
A associação do setor diz que dificuldades no abastecimento de papelão ondulado persistem com a alta da demanda, puxada pelas vendas do ecommerce e entrega de refeições prontas. Os prazos de entrega, que hoje ultrapassam 30 dias, só deverão cair a partir do segundo trimestre.
Na indústria de carnes, os prejuízos acumulados pelos frigoríficos têm levado à paralisação temporária de abates. A questão, para esses, não é esperar preços ou condições melhores, mas estancar a sangria do caixa, diz o presidente da Abrafrigo, Paulo Mustefaga.
Nos 12 meses até fevereiro, o preço do boi gordo subiu 53%, enquanto a carcaça, que é a carne com osso negociada no atacado, teve o preço reajustado em 42%. Com essa defasagem, só não está estrangulado o frigorífico que exporta e que, por isso, fatura em dólar. Segundo a Abrafrigo, porém, 75% da produção brasileira fica no mercado interno.
Há um um ano, diz Mustefaga, a venda da carne dava à indústria um lucro de R$ 190 por boi de 16 arrobas. Hoje, essa operação deixa R$ 134 de prejuízo.
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